Teatro de rua? Não, teatro de feira, parece afirmar o diretor do Grupo
Galpão das Artes, Fábio André, quando diz que o espetáculo é uma
“presepada” que os atores prometem em feira livre. E o postal de
divulgação afirma que “em Pernambuco lugar de boneco é na feira”.
Define-se, portanto, o espaço para o qual o espetáculo foi concebido. A
importância disso não se prende a uma sutileza retórica, pois o espaço
do acontecimento teatral é determinante das pulsações cênicas.
Pode-se argumentar que a feira está na rua, o que dá no mesmo. Engano.
Qualquer feira livre altera o espaço público, interfere na paisagem
dando-lhe vida peculiar. Assim, a rua já não é a mesma, mas sítio
efêmero e nervoso de trocas, de pregões dos vendedores e olhares atentos
da freguesia, de comidas em tabuleiros e tantas outras coisas, entre as
quais eventualmente artistas de rua, grupos de teatro. Fazer teatro na
feira é, por fim, um hábito que vem lá da Idade Média e que solicita da
trupe posturas específicas, com recursos característicos dos antigos
mambembes. A opção do Galpão das Artes não implica mera escolha de
local para suas apresentações, mas um universo que o desafia.
O grupo vem se aprofundando na pesquisa de bonecos de feira, por
exemplo. Percebe-se em “A inconveniência de ter Coragem” o domínio de
técnicas originárias dos mambembes, de certo modo parentes da commedia
dell arte, com máscaras desenhadas e pintadas no rosto, gestualidade
larga que muitas vezes parece coreografia. Técnicas que se encontram com
outras da nossa cultura tradicional, especialmente o mamulengo. Tem
igualmente origem na tradição de mamulengo o texto de Ariano Suassuna,
que celebra as trapaças do negro Benedito, neste caso contra os
valentões Vicentão Borrote e Cabo Rosinha, que com ele disputavam o amor
de Marieta.
Os atores, com suas impagáveis caracterizações e figurinos coloridos,
evidenciam perfeito domínio dessa arte popular de tradição secular. Um
grupo homogêneo, talentoso, inventivo, que apresenta tipos presentes no
imaginário nordestino e lhes dá vida, realizando a “presepada” com a
elegância cativante de grandes cômicos. Sim, um teatro de feira que
infelizmente não se encontra em todas as feiras. E ao encontrá-lo, temos
motivos para nos sentir privilegiados.
Fonte: Blog Coisas da Vida
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