Terça-Feira, 22 de Junho de 2010
O VÍCIO DO VIDEOGAME
O rol de dependências não-químicas devidamente caracterizadas já inclui o videogame, que passa a se situar ao lado de vícios comportamentais clássicos como baralho, sexo e compras. Jogar videogame de modo desregrado, seja pelo aparelho de televisão ou pela internet, pode levar o indivíduo ao completo isolamento social e até a algumas doenças.
“Toda dependência tem uma característica fundamental: a sensação subjetiva de diminuição ou perda do controle, do poder de escolha”, afirma o psiquiatra Aderbal de Castro Vieira Júnior, responsável pelo Ambulatório de Dependências Não-químicas do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da Universidade Federal de São Paulo). “Nos casos típicos, o jogo penetra num vazio que a pessoa já tinha, como pouca atividade social ou alguma dificuldade de relacionamento. Com o tempo, ela vai abandonando atividades como estudar, dormir e, em casos extremos, alimentar-se”, descreve. Os casos de mau desempenho escolar e profissional são flagrantes.
Segundo o especialista, a ação de jogar videogame, em si mesma, não é prejudicial à saúde e pode até ser uma diversão salutar. “Pode-se até jogar durante um tempo longo, num sábado à tarde, por exemplo, para depois, à noite, sair com os amigos. Por outro lado, se a pessoa ficar duas horas por dia jogando, das três às cinco da madrugada, isso irá lhe causar problemas. A questão é: o videogame está agregando alguma coisa ao indivíduo ou está tomando o lugar de outras atividades?”, indaga Vieira Júnior.
O dependente de videogame é na maioria das vezes adolescente e do sexo masculino. A própria publicidade dos jogos é direcionada a esse público. “Se fizéssemos um levantamento ano a ano, meu palpite é que a média de idade dos dependentes de videogame viria caindo, porque as novas gerações acostumam-se cada vez mais cedo com a internet e os jogos eletrônicos”, acredita o médico.
Não existe um fator específico que determine a dependência. A perda de autocontrole inerente ao viciado carrega um histórico de relações disfuncionais – é assim com o dependente de drogas, e é assim com o dependente de videogame, embora no segundo caso não ocorra um efeito nocivo direto à saúde. Conforme salienta Vieira Júnior, “a pessoa não acorda dependente, mas vai sendo levada ao vício por uma série de caminhos e razões”. O jogador recreativo, por óbvio, não precisa de tratamento. O compulsivo necessita de psicoterapia. “Aquele que foi identificado como dependente, que está perdendo a liberdade, que está se prejudicando por causa do videogame, precisa ser tratado. Torna-se indispensável um processo de psicoterapia que ajude essa pessoa a compreender de que forma seu comportamento foi adquirindo tais características. Por que alguns jogam um pouco e vão cuidar da vida enquanto ela lida com o jogo desse modo? A partir do momento em que se compreende o que está acontecendo, capacita-se a fazer mudanças.”
O “esvaziamento” a que está submetido o dependente pode levá-lo à fobia social e à angústia, sensações que, se não configuram sozinhas quadros de depressão, contribuem para o surgimento dessa doença neurológica. “Se você diagnostica o dependente de videogame como portador de uma doença psiquiátrica, terá de tratá-lo também contra essa doença”, diz. Situações desse tipo requerem tratamento com medicamentos.
Os pais devem estar atentos, portanto. “Se o comportamento estiver tornando-se inadequado, se o videogame estiver tomando espaços antes ocupados por outras atividades, deve-se levar o adolescente ou a criança ao psiquiatra ou ao psicólogo”, orienta Vieira Júnior. É claro que muito mais prementes são os casos em que há queda do rendimento escolar, deficiência alimentar ou perda do sono. “Se os pais chegarem ao ponto de ter de desligar o aparelho de TV ou o computador a força, é porque algo já deu errado lá atrás, algo que não deveria ter acontecido aconteceu”, alerta. Na opinião do médico, os pais devem adotar uma conduta profilática, tentando manter os filhos “estimulados e bem relacionados”. Nesse sentido, a própria internet pode ser uma aliada: “A internet pode não ser um problema, mas sim uma solução. Pode colocar a pessoa em contato com um monte de oportunidades fantásticas. Se a criança tiver sido bem orientada, ela correrá atrás do bom conteúdo, e não ficará desperdiçando o tempo com o mau conteúdo”.
Jogos violentos
Os videogames mais populares inspiram-se no cinema comercial que consagra a violência. O realismo desses jogos é assustador e fez surgir o temor de que, além de se viciar, o jogador contumaz torne-se um perigo para a sociedade. Aderbal de Castro Vieira Júnior não acredita numa relação tão simples. “Sem dúvida, praticar um jogo violento pode ser um dos componentes do comportamento violento. Mas eu acho muito pouco provável que um adolescente – ou uma criança, ou um adulto – saudável e bem estruturado seja transformado num marginal por causa de um videogame. A causa da violência é multifatorial”, diz.
O psiquiatra acha que mesmo jogos de guerra ou de luta podem ocasionalmente ser um bom divertimento, mas melhor seria se a cultura vigente e a publicidade privilegiassem as opções de cunho educativo. “Há jogos interessantes, que não promovem disputas entre as pessoas, mas que fazem os jogadores cumprirem determinadas tarefas em grupo – trata-se de um outro modelo, em que se interage com o colega não como oponente, mas como parceiro.”
Fonte: Site da OAB
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